Na grande maioria das vezes, o cliente chega ao escritório requerendo a guarda unilateral ou com a preocupação natural do modelo de guarda que será adotado quando da dissolução do vínculo conjugal. Poucos pais e poucas mães dão o devido valor ao período de convivência que terão com os filhos, atentando-se somente à guarda, o que lhes dará, por vezes, diante de um sentimento revanchista, a sensação de vitória sobre o outro, pois a este, em tese, restaria somente o direito de supervisionar e de visitar os filhos – expressão abominada no direito de família contemporâneo.[1]
É induvidoso que, popularmente e mesmo no meio jurídico, há uma confusão entre o instituto da guarda e o da convivência, porém, ao nosso sentir, há um instituto jurídico nesses contextos familiares que é mais importante, qual seja a autoridade parental, denominada, no Código Civil, como Poder Familiar, totalmente esquecida pelos clientes quando, no calor da emoção do fim do relacionamento conjugal, chegam aos escritórios.
A autoridade parental nada mais é que uma função dos pais, fugindo de uma perspectiva de poder e de dever, surgindo como um facilitador da construção de uma autonomia responsável dos filhos.[2]
A Autoridade Parental, explícita no Código Civil – que deverá ser interpretada à luz da Constituição Federal, diante de um perfil solidarista amparado no perfil sociológico da família - traduz algumas das funções que os pais devem exercer enquanto os filhos forem menores de idade, dentre elas a de, em termos gerais, assistir, criar e educar. A previsão civilista é baseada no art. 229 da Carta Magna.[3]
No entanto, o que isso tem a ver com o título deste texto? Onde se insere a Igualdade Parental e o exercício de suas funções nesse contexto?
A legislação brasileira estabelece, no Art. 1579 do Código Civil Brasileiro, que o divórcio não modifica em nada os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. Já os artigos 1.588 e 1.636 da mesma codificação também determinam que os genitores que contraírem novo relacionamento não perdem a titularidade do poder familiar.
Logo, conforme preconiza o Código Civil brasileiro, tanto a titularidade quanto o exercício da autoridade parental não sofrem absolutamente qualquer modificação com o tipo de relação jurídica existente entre os genitores, bastando apenas a qualidade de pais. Ou seja, independentemente da guarda acordada ou determinada judicialmente, a função parental permanece em igual condições para ambos os genitores, havendo, portanto, uma verdadeira paridade parental, tanto em direitos, quanto em deveres e responsabilidades com relação aos filhos. Assim, devem ambos os genitores assumir, de forma conjunta, as responsabilidades, principalmente no que se refere às principais decisões da vida da criança, conjugando a verdadeira igualdade no exercício da função de criação e educação da prole.
Desde o ano de 2014, através da Lei 13.058/2014, a regra, com relação a guarda no ordenamento jurídico brasileiro, passou a ser a compartilhada, mesmo quando não houver acordo entre os genitores, ou seja, mesmo quando há litígio.
Todavia, o que lamentavelmente se vê na prática é uma distorção do sentido do instituto da guarda, em especial quando há litígio entre o casal parental, em que tal direito, em regra, é atribuído a um dos pais – por uma questão cultural, na maioria esmagadora das vezes, à genitora -, e a convivência ao outro, o que acarreta um enfraquecimento do exercício da função parental (Autoridade Parental) daquele que não fica com a guarda, para o qual, no imaginário popular, acaba restando apenas a supervisão da criação dos filhos e exercício da convivência, sendo utilizada, na maioria das vezes, uma forma retrógada em finais de semanas alternados.
O direito de família contemporâneo, muito devido à atuação dos advogados, tenta, de forma exaustiva, mudar esse conceito de modelo de convivência, buscando cada vez mais uma convivência equilibrada entre os genitores, e a notícia boa é que, aos poucos, os tribunais estão analisando esses litígios de forma mais humanizada, possibilitando que ambos os genitores possam exercer sua função parental de forma plena.
Nota-se, portanto, a importância do instituto da Convivência, o qual, conforme no princípio do texto expressamos, muitas vezes é esquecido pelos clientes que batem à porta dos escritórios de advocacia.
Evidente que cada família tem sua logística, suas peculiaridades, de modo que o modelo de convivência vai depender das possibilidades daquela conjuntura familiar, porém sempre sendo determinado com respeito a um equilíbrio de tempo entre os genitores e ao melhor interesse da criança.
A convivência equilibrada possibilita a valorização do afeto e que essa criança seja criada e formada envolta a uma boa estrutura psíquica, criando e desenvolvendo a ideia de pertencimento e segurança, garantindo-se a aplicação dos direitos fundamentais a ela conferidos.
Todavia, não tiremos a importância do instituto da Guarda, em especial a Guarda Compartilhada, que tem fundamental importância na disseminação e popularização da discussão da coparticipação parental na vida dos filhos, construindo-se um novo conceito de paternidade em que principalmente o homem não mais se satisfaz em cumprir um papel periférico na vida dos filhos.[4]
Porém, as vantagens e as desvantagens da aplicação da guarda compartilhada ou da unilateral vão depender de um fato muito importante: a comunicação entre os genitores e seus julgamentos quanto às reais necessidades dos filhos.[5]
A psicanalista Telma Weiss[6], em artigo sobre a visão psicanalítica da guarda compartilhada, ensina-nos que os filhos de pais separados que percebem que seus pais conversam, que se respeitam, têm maior possibilidade de elaborar o trauma da separação conjugal.
Portanto, percebe-se que, independentemente do modelo de guarda adotado, a comunicação entre os genitores é fator fundamental para uma assistência e educação de excelência aos filhos e é justamente nesse sentido que a igualdade parental, firmada na solidariedade entre os genitores na criação dos filhos, se impõe, pois implica complementar as funções paternas e maternas, ambos exercendo suas funções com proeminência.
E, ao que podemos observar, a efetivação dos deveres decorrentes da autoridade parental - como a educação e a criação - se perfectibiliza quando da convivência com a prole no dia a dia, no enfrentamento dos problemas do cotidiano, nas descobertas de um mundo cada vez mais amplo daquela criança. Daí a importância do instituto da convivência, por vezes pouco sedimentado nos processos judiciais.
Por conseguinte, a única possibilidade de termos uma igualdade nas funções parentais é com a convivência de modo equilibrado, o que repetimos, independe do modelo de guarda adotado.
O que se faz importante, afinal, é que haja uma continuidade após as transformações da família quando da separação, da consideração da família como um sistema em que se faz fundamental o reconhecimento das diferenças, do referendamento mútuo, das relações de complementariedade e, portanto, de cooperação, aliada à flexibilidade e compreensão das necessidades específicas em cada fase das crianças, como bem expressa a psicanalista Gisele Groeninga.[7]
Se a estruturação psíquica do sujeito se faz e se determina a partir da relação que ele tem com os pais, assumir o ônus e o bônus de criar os filhos de forma responsável - sejam eles planejados ou não, convertendo-se em um conjunto de deveres para atender o melhor interesse da criança, principalmente no que tange à convivência familiar equilibrada e à igualdade de atuação desses genitores frente à criação - é o que deverá nortear as complexas relações parentais, sendo inconcebível que, pelo desfazimento do relacionamento conjugal, as atribuições parentais sejam prejudicadas.
O que se almeja e o que se vislumbra é sempre a possibilidade de uma coparticipação parental, tendo em vista que a visão moderna das funções advindas da autoridade parental é a de uma perspectiva operacional, com estímulo na companhia e acompanhamento do cotidiano das crianças, possibilitando-as ter uma formação de sua personalidade de forma íntegra, a partir da afetividade e da solidariedade daqueles que o geraram.
Por Carlos Eduardo Lamas, advogado, especializado em Direito de Família. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família - IBDFAM - Núcleo Pelotas /Pelotas.
Para conhecer mais o trabalho do Carlos, é só acessar o Instagram @carlos.eduardo.lamas
[1] A expressão correta a ser utilizada é “convivência”. Conforme campanha da CEDFS da OAB-RS que adere à iniciativa da CDFS da OAB-SP como meio de conscientização da comunidade jurídica para a utilização da terminologia adequada. A expressão visita traz um sentido de frieza, oposto o que deve ser a convivência familiar, lócus da construção e fortalecimento dos vínculos afetivos. [2]TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A (des) necessidade da Guarda Compartilhada ante o conteúdo da Autoridade Parental. In: Delgado, Mário. Guarda compartilhada / Antônio Carlos Mathias Coltro, Mario Luiz Delgado. – 2. Ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2016. [3] Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. [4] TEPEDINO, Gustavo. Direito de Família. – 1. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. [5]GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada – A efetividade do poder familiar. In: Delgado, Mário. Guarda compartilhada / Antônio Carlos Mathias Coltro, Mario Luiz Delgado. – 2. Ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2016 [6] WEISS, Telma Kutnikas. A Lei da Guarda Compartilhada: Um breve visão psicanalítica. In: Delgado, Mário. Guarda compartilhada / Antônio Carlos Mathias Coltro, Mario Luiz Delgado. – 2. Ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2016 [7]Idem 5.